5 de abr. de 2013

June 15


Capítulo 29.


(COLOCAR PRA CARREGAR: http://www.youtube.com/watch?v=WrwoiWKj1Qg&feature=related )

 Terminei de lavar a louça do almoço e Mel teve que sair correndo para trabalhar, ela havia mudado de emprego e agora entrava alguns minutos mais cedo. Hoje teve que sair muito mais cedo da aula para comprar um celular novo, por sorte conseguimos salvar seu chip. Raquel estava no quarto, se aprontando para pegar um táxi e ir ao seu trabalho. Eu tinha acordado bem cedo, porque distribuí currículos por agências de viagem e entreguei documentos em faculdades, se desse sorte começaria a cursar esse ano mesmo. Fui para a sala e liguei a Tv, estava passando Simpsons, o que me deu um frio na espinha, já que desde a viagem para o Brasil nunca mais tinha nem ouvido falar neles. Ignorei a minha nostalgia e decidi assistir, afinal sempre dou boas risadas com o Homer. Ouvi alguns barulhos vindos do quarto e Raquel xingando em espanhol, ela devia ter derrubado alguma coisa, já que era bastante desastrada. O meu celular começou a tocar, corri para a cozinha, pois o havia esquecido em cima da mesa.

- Alô?
 
-
 Oi, er, Lu? 
- Sim... Quem é?
 
-
 Oi! É o Harry... Tudo bem? 
- Oi Haz! Tudo bem sim...
 
-
 É que você sabe que hoje é sexta, né? 
- Lógico, Judd! – rimos. – Você acha que eu tô em que planeta?
 
-
 Engraçadinha! 
- FAAAAALA LOGOOOOO!!!
 
-
 Então, continuando, se você não me interromper tirando com a minha cara... 
- FALA LOGO, HARRY! – gritei impaciente.
 
-
 Ai, ai, ai, calma. Er... Onde eu tava mesmo? Ah, sim. hoje vai ter uma festinha, bem ‘inha’ mesmo. Só pros amigos mais próximos... 
- Huuuummm, nossa, tô me sentindo de ser considerada uma amiga próxima! – brinquei e ele riu.
 
-
 Shhhhh, deixa eu concluir... Pois é, vai ser na casa do Mica e o som vai ser por conta de uns amigos nossos que tão iniciando agora e a gente tá dando uma força! 
- Oba! Pode contar comigo! Tô precisando sair, espairecer...
 
-
 Mais? Eu soube que esses dias você tava bebendo com o Mica! 
- Que fofoqueiro! Mas eu acho que vou sozinha, viu? Você chamou a
 Melanie? 
-
 Chamei, ela disse que vai pensar um milhão de vezes e, se for, é por causa de mim! Já que ela nem quer passar perto da casa do Mica... 
- Ai, ai, pra mim isso tudo é frescura! Tá louca para vê-lo!
 
-
 Concordo com você... Ah, Lu, se não for pedir muito... 
- Pode falar, Haz...
 
-
 Eu tô sem coragem de ligar pra Raquel, então você convida ela por mim e dá um jeito de ela ir? – pediu com a voz quase melosa e eu ri. 
- Ouuuuuun, prometo que vou dar um jeitinho, tá?
 
-
 Obrigado, sério. 
- Ih, nem precisa. Relaxa!
 
-
 Então é isso, agora tenho que ir ajudar o Chay com umas coisas, você sabe que ele é lerdo. 
- Tadinho, Harry. Mas ok, vou aparecer por lá. – nos despedimos e desliguei, voltando para a frente da TV.

Raquel saiu do quarto e junto com ela veio um cheiro muito bom. Ela reclamou de preguiça, então a acalmei, lembrando-a de que já era sexta. Sentou-se na poltrona ao lado do sofá. Pensei se falava ou não da festinha à noite, então decidi avisar logo.
 

- Quel, hoje à noite vai ter uma festinha na casa do
 Mica... E você foi convidada. – falei de uma vez para não ter argumentos negativos. 
- Hum, Harry vai? – perguntou simplesmente. Eu já devia estar esperando.
 
- Uhum.
 
- Então não vou. – deu de ombros e levantou. Não discuti, pois seria pior, à noite eu sabia que a convenceria de qualquer forma. Onde tem vodka, a Raquel está por perto, então não seria nenhum bicho de sete cabeças.
 

Mal voltei a atenção para Homer, Bart e etc e tocaram a campainha. Chamei por Raquel, mas ela estava procurando a sua bolsa no quarto. Levantei pisando fundo, quase abrindo um buraco no chão, de tanta preguiça e me arrastei até a porta. A
 Mel devia ter pedido alguma coisa, ou alguém ficou de entregar algo. Abri a porta olhando para o chão e por alguns segundos pensei estar sonhando, ou melhor, desejei estar sonhando. Eu conhecia aqueles sapatos, conhecia aquela calça, conhecia aquela camisa, aquele pescoço, aquele rosto, aquela boca, aqueles olhos, aqueles cabelos e aquele cheiro. Aqueles olhos já não tinham o brilho radiante, tinham mais um tom reprovador do que qualquer outra coisa. Senti todos os fios dos meus cabelos arrepiados e o coração em todas as partes do corpo. Thur tinha uma aparência pesada e eu não estava pronta para vê-lo. Não naquele momento. Ele me pegou completamente despreparada. Em meu mundo fantasioso, eu ainda estava tomando coragem para ir até o seu apartamento e enfrentá-lo. Em meu mundo fantasioso, talvez tivesse que vê-lo esta noite na casa de Mica, mas acreditava que nem nos cumprimentaríamos. Em meu mundo fantasioso, eu teria até forças para abraçá-lo. Mas no mundo real, ele deixou claro, com apenas aquele olhar, que as coisas seriam um pouquinho mais difíceis. No mundo real, haviam contas a serem acertadas. 

- Vai me deixar aqui na porta? – pela primeira vez, desde que voltei, ouvi a sua voz, que me acordou do transe.
 Thur tinha as mãos nos bolsos e a testa franzida. 
- Ah, sim, cla-claro. – respondi visivelmente desconsertada. Abri a porta um pouco mais e fui para a lateral, dando passagem. Senti o sangue passar por cada veia e esquecer minhas mãos, pois elas estavam congeladas e trêmulas. Assim que ele entrou, bati a porta, sem calcular a força que tinha jogado ali. Raquel saiu do quarto falando alguma coisa, mas ao ver
 Thur, logo se calou e arregalou os olhos. 
-
 Yo, digo, eu estou de saída. – disse atropelando as palavras e querendo sumir dali o mais rápido possível, para nos deixar a sós. Tive vontade de segurar em seu braço e implorar para que ficasse, mas sabia que isso seria impossível e esse momento inevitável. Apenas assenti e Raquel passou por mim como um furacão, batendo a porta. Thur, que estava de costas para mim, se virou em um impulso e eu podia jurar que ouvi meu estômago gritar. 
- Senta. – falei com dificuldade, apontando para o sofá, porque a minha voz não queria sair.
 
- Não, eu tô bem assim. – respondeu ríspido e em seguida mordeu o lábio inferior.
 
- É... – quis começar a falar alguma coisa, mas ele me interrompeu.
 
- Acho que nós precisamos conversar. – falou o óbvio, que, naquele tom de voz, mais parecia uma novidade ruim.
 
- É. – foi só isso que saiu da minha boca. Abaixei a cabeça e fiquei encarando os meus pés, esperando que ele começasse, porque eu não tinha coragem e nem ao menos disposição. Ouvi-o respirar fundo e fiquei ainda mais nervosa. Era engraçado como na minha cabeça eu seria a senhora da razão, seria ouvida, mas ali, com ele, parecia que eu era uma criança mal educada que iria levar um sermão.
 
- Por que você não me disse nada? –
 Thur se manifestou e eu reergui a cabeça, mas ainda tendo dificuldade para olhar em seus olhos. 
- Porque você não entenderia. – respondi sem saber de onde havia criado as palavras certas.
 
- Baseado em que você pensou isso?
 
- Baseado no que eu conheço sobre quem você é.
 
- E você acha mesmo que me conhece bem? – seu tom era cada vez mais irônico.
 
- O que eu conheci foi o suficiente para saber como você age. – respondi firmemente e ele deu uma risada sarcástica.
 
- Não,
 Lua, você não me conheceu. 
- Isso não me importa, você não foi homem o suficiente para deixar a sua namorada livre e viver aventurinhas de adolescente. Eu não acho que seja muito interessante saber quem você é! – o sangue parecia querer se concentrar todo em minha cabeça, mas eu precisava desabafar.
 
- Olha quem fala em adolescência! Você fugiu duas vezes pelo mesmo motivo! Adolescente, para mim, é quem não tem coragem de enfrentar os próprios problemas. –
 Thur estava cada vez mais irritado, mas isso não era um problema, já que eu, provavelmente, estava ainda mais. 
- Isso não é problema seu! – quase gritei, mas não podia deixar que ele me julgasse. - A partir do momento em que você diz estar grávida de mim, isso se torna um problema meu!
 
- Eu não
 disse estar grávida de você. Eu estava e era seu! 
- Droga! Você conseguiu estragar tudo! – ele disse passando a mão nos cabelos e balançando a cabeça negativamente.
 
- Estragar o que? Quem estragou tudo foi você!
 Você implorou para que eu fosse para o Brasil com vocês e aprontou comigo. 
- Fui só eu que aprontei? Você tem amnésia?
 
- Hã? Você tá louco? Me diz uma coisa, além de ter omitido essa gravidez, o que eu teria aprontado contra você?
 
- Há! – ele semicerrou os olhos e eu sabia que dali não sairiam coisas boas. – Quer dizer que você não se lembra das mensagens que trocou com o panaca do John enquanto a gente arrumava as coisas para ir a Angra dos Reis?
 
- Que? Do que você tá falando? Você andou mexendo no meu celular pelas minhas costas? – eu estava completamente confusa, mas agora as coisas que ele disse faziam sentido. Lembrei de que realmente John havia me mandado algumas mensagens e eu respondi enquanto
 Thur se aprontava para irmos até o ônibus que iria a Angra dos Reis. Céus, se ele soubesse que tudo aquilo não significava nada! Tanto que sequer me lembrava. 
- Isso já não interessa! – exclamou.
 
-
 Thur, aquilo para mim não era nada! E nem tinha nada demais nas mensagens! Não justifica o que você fez comigo... E também, você nunca me deu segurança, nunca me fez enxergar que estava apaixonado por mim. Você acha que eu sou vidente? A idiota da história fui eu. 
- Como é? – ele deu uma risada alta. – Eu nunca te fiz enxergar?
 Lua, eu escrevi uma música pra você sem nem ao menos ter te beijado. Te levei pro Brasil pra gente poder ficar em paz! – mesmo fingindo ignorar, o meu coração saltou ao ter confirmado que ‘Just My Luck’ tinha sido escrita para mim, e não para Sophie, e por dizer que a ida para o Brasil foi para que pudéssemos ficar juntos. 
- Você nunca me disse que aquilo era para mim! Qual é? Você tinha uma namorada... Acha que eu ia mesmo pensar que aquela canção era sobre mim?
 
- Sempre, sempre a Sophie! Você se achava tão inferior a ela que não enxergava um palmo à frente disso? –
 Thur estava se exaltando e cada palavra que ele dizia me deixava ainda mais confusa sobre quando tudo começou a dar errado. 
- A
 namorada era ela. E eu não entendia o motivo de você fazer aquilo. Se era infeliz com a Sophie, por que não a deixou livre? 
- Eu nunca achei que isso importasse tanto, mas se te incomoda, vou falar o real motivo: eu era completamente apaixonado por ela, logo que começamos. Eu estava mesmo empenhado em fazer aquele namoro dar certo. Nunca fui bom com relacionamentos, mas achava que aprenderia ali. Só que a minha namoradinha me traiu com um dos meus melhores amigos e achou que eu nunca saberia...
 
- Aí então você me usou para dar o troco nela?! – perguntei fingindo ignorar aquela revelação. Nunca, em nenhum momento, passou pela minha cabeça que aquela moça tão refinada teria traído
 Thur.
- Sim e acabei gostando de você. – respondeu simplesmente e eu quis matá-lo.
 
- E você fala isso assim? Você se orgulha disso? – eu estava perplexa, minhas mãos começavam a tremer.
 
- Não foi proposital, ou melhor, foi, mas eu não contava com o fato de me apaixonar por você.
 
- E agora você diz que eu estraguei tudo? Você acha que só você se envolveu?
 Thur, eu queria morrer a cada vez que você fazia as coisas saírem do percurso! Você não faz ideia do quanto eu me senti mal quando, depois de te beijar, você voltou de viagem todo estranho e me tratou como se nem me conhecesse direito... 
- Ah, e você acha que eu fiz isso do nada? Eu vi um cara te dando um selinho bem aqui na porta! – ele disse nervoso e eu me lembrei daquele dia. Então o
 Thur viu quando o vizinho me ajudou com as compras e me deu um beijo que pegou no canto da boca. Foi por isso que agiu estranhamente e não porque tinha se arrependido de ter me beijado! 
- Ele não me deu um selinho, simplesmente escorregou da bochecha para a boca, sem querer... – eu sabia que não tinha sido tão sem querer assim da parte dele, mas isso agora não vinha ao caso.
 
- E daí? Eu fiquei louco com aquilo! Você não faz ideia da falta que eu sentia de estar com você e para que? Para chegar e ver um cara quase te beijando?
 
- Então você tinha ciúmes de mim? Meu Deus, você nunca deixou isso claro,
 Thur. Para mim você nem se importava, da mesma forma que fazia com a Sophie enquanto os seus amigos a tratavam mal!
- Te ver cheia de gracinhas com o Harry me fazia mal e eu não conseguia aceitar que você ia estar com não sei quantos caras após me ver... Não conseguia lidar com isso,
 Lua. Eu preferia me afastar... – sentia pelo seu tom de voz que Thur estava falando mais do que havia planejado, mas preferiu ser honesto, era incontrolável. 
- Então por que você nunca me disse? – insisti.
 
- Porque eu não queria me dar o direito de estar apaixonado por você! Eu sabia que não poderia mudar nada, que só ia sofrer, então preferi me fingir de insensível. Fingi para mim mesmo não dar a mínima para a sua profissão.
 
- Eu nunca vou conseguir te entender, nunca mesmo. – coloquei as mãos na cabeça e respirei fundo, tentando controlar o modo como tanta informação entrava pelos meus ouvidos.
 
- Eu sei disso e sei que também não vou conseguir entender o que você fez. Nós não nascemos pra ficar juntos... – por mais que parecesse óbvio, partindo de tudo que já vivemos, ouvir isso de
 Thur causou um aperto inexplicável no meu coração. Eu não conseguia processar a ideia de viver sem ele. 
- Mas você disse que se apaixonou... – ressalvei, pressentindo não haver sucesso.
 
- Sim, mas isso há algum tempo atrás. Esse seu sumiço, todas as coisas que aconteceram e que eu só soube depois de muito tempo... Não sei, eu não sei se ainda resta algum sentimento. – agora eu sentia várias facas me apunhalando. Estive tão perto, tão perto de ser feliz com ele, que pensar que tudo foi por água abaixo era, no mínimo, apavorante.
 
- Será possível que você não entendeu? – perguntei tentando estabilizar a minha voz, já que tinha um nó na garganta. – Tudo isso que eu fiz, todo esse meu jeito de agir, é porque nunca tive segurança em nada! Você nunca demonstrou estar apaixonado por mim ou não fez questão que eu entendesse o recado... A vez que eu cheguei mais perto de acreditar foi quando você apareceu aqui, de madrugada, depois daquele show do McFly e pediu para que eu te deixasse ficar. Mas você estava bêbado, então eu não tinha mais razões para alimentar os meus
 achismos... 
- Eu não estava bêbado. – senti todos os meus órgãos se movimentarem.
 
- Céus,
 Thur! Você tem noção do que você está me dizendo? 
- Eu precisava provar para mim mesmo que estava por cima da situação, precisava provar que eu estava apenas te usando! Não ingeri uma gota de álcool naquele dia, fiz apenas bochecho para que você caísse... Eu precisava ver que você estava se rendendo mais do que eu...
 
- Como eu fui idiota! – bati em minha própria testa. – E, meu Deus, se eu soubesse disso, nunca mais teria olhado na sua cara!
 
- Por isso mesmo eu nunca confessei... Apesar de querer provar a mim mesmo que estava te usando, não conseguia parar de te ver.
 
- Você não se sente mal por ter enganado a Sophie desse jeito? Mesmo ela tendo te traído, foi uma vez, você ficou comigo e com ela vários meses! – quando falei isso, ele deu uma risada baixa e olhava para os próprios pés. Em seguida, seus olhos azuis voltaram a atenção para os meus.
 
- Eu sei que parece meio difícil de acreditar... Mas quando eu comecei a me envolver com você, era como se eu tivesse esquecido quem Sophie era e do compromisso que tínhamos. Não me sentia culpado, sentia apenas que ela era o trabalho pesado e você o descanso, o lugar de onde eu não queria mais sair. Quanto mais eu te via, menos queria ver a Sophie, e o meu sentimento por ela foi se tornando indiferente... Era como se nada mais me afetasse, nem raiva eu sentia mais. –
 Thur falou tão sinceramente como eu nunca o tinha ouvido falar antes. Era como se aquelas palavras explicassem, em menos de dois minutos, o que minha cabeça fez confusão por quase um ano. Eu tentava cavar argumentos que o pusessem mais contra a parede, mas ele havia decidido abrir o jogo completamente, me deixando sem palavras. 
- Eu não sei o que dizer... – falei sincera e evitei olhá-lo nos olhos.
 
- O que você teria a dizer? Você sumiu, me escondeu muitas coisas...
 
- Você sabia onde eu estava. Eu sei que a sua mãe te disse que havia me visto em Bolton. Foi opção sua não me procurar,
 Arthur. 
- Quem me garante que o filho era meu? Quem me garante que você não andou transando sem camisinha com o John? – eu sei que ele tinha todo o direito de desconfiar, mas aquelas palavras me ofenderam de tal forma que não pensei duas vezes e dei um tapa em seu rosto.
 Thur me olhou espantado, com a mão na bochecha. 

(Coloque a canção para tocar)

- Você sabe que não foi assim! – sussurrei, rancorosa, pois sabia o porquê de ter dado aquela bofetada. Apenas respirei fundo e fechei os olhos, tentando me acalmar.
 
- Eu sabia que sairia daqui da mesma forma pela qual cheguei: sem explicações convincentes. Você tem uma mente doentia e eu não posso suprir essa sua carência, não mais. – cada palavra me atingia como um tiro. Não era justo ouvir aquilo de
 Thur. Ele também contribuiu para que eu não confiasse o meu coração a ele. Não foi como se eu tivesse brincado com os seus sentimentos. Tentei fazer dar certo, eu tinha essa consciência, o indeciso era ele, o tempo inteiro. E, talvez, o motivo real para chegarmos onde estávamos fosse justamente a montanha russa que havia em seu coração.
- Eu não tenho a obrigação de ouvir isso. Acho que tudo que podia ser dito, já foi dito. É melhor você ir. – fui até a porta e a abri, indicando a saída.
 
- É difícil ouvir a verdade. Mas esse é um direito seu, eu também não tenho mais nada a falar... Só que quero que você esqueça tudo o que tivemos um dia, da mesma forma que eu vou fazer e já estou fazendo. –
 Thur disse as últimas palavras antes de sair pela porta. Mas eu não podia deixar a situação daquele jeito, como se ele estivesse por cima. 
- Obrigada. – ele já estava de costas, mas voltou novamente a me olhar, semicerrando os olhos. – Obrigada por ter me feito enxergar que mereço ser amada, mereço saber que alguém gosta de mim, que não preciso de uma bola de cristal pra saber tudo o que agrada outra pessoa. Obrigada por me mostrar o que eu já sabia: você foi um erro. E não se preocupe, tudo o que aconteceu no ano passado, fica no ano passado. – falei isso sem olhá-lo nos olhos, pois sabia que, se olhasse, não conseguiria. O meu sentimento por
 Thur era forte demais, ele conseguia me deixar fragilizada só estando perto de mim. Bati a porta para evitar que alguma coisa fosse dita e me magoasse ainda mais. E, por mais que eu tivesse parecido firme, por dentro tudo estava quebrado. 

Oh what are we doing? 
(Oh, o que nós estamos fazendo?)
 
We are turning into dust
(Estamos transformando em pó)
 
Playing house in the ruins of us
(Achando que não está acontecendo nada)
 
Running back through the fire
(Correndo em direção ao fogo)
 
When there's nothing left to save
(Quando não há mais nada para dizer)
 
It's like chasing the very last train
(É como se estivesse correndo atrás do último trem)
 
When it's too late
(Quando já é tarde demais)
 
Too late
(Tarde demais)
 

Mal fechei a porta e não consegui controlar os soluços. Escorreguei pela porta aos prantos, era como se não houvesse chão sob os meus pés. Não era aquele o último contato que eu esperava comThur. Não dessa forma. O som da voz dos Simpsons ainda passando na Tv pareciam me deixar ainda mais tensa. Várias hipóteses passaram pela minha cabeça em todo esse tempo, mas sempre sobrou alguma esperança, alguma esperança de em algum lugar no tempo nós podermos ficar juntos. Mas não, ele disse com todas as letras, e não havia o que ser discutido, as circunstâncias nos levavam ao fim, eu já devia saber. O meu maior erro é nunca levar o fracasso a sério, é esperar que as coisas mudem do dia para a noite, esperar que tudo comece a dar certo. Eu me apaixonei e, mesmo não querendo aceitar isso de início,
 Thur provocou em mim o que ninguém jamais provocara. Ele me mostrou os sentimentos mais bonitos, abriu as portas para que eu encontrasse a plena felicidade. Permitiu, mesmo que inconscientemente, que me sentisse amada. E não importava realmente se ele me machucava com a sua indecisão, ou se eu achava que era usada: no final, sempre voltava para o mesmo lugar. No final, só ele conseguia me devolver os pedaços deixados pelo caminho. No final, não havia final. Havia sempre um capítulo a ser escrito. 

De certa forma, durante esses cinco meses longe,
 Thur foi o meu porto seguro. É irônico, mas quando me sentia sem propósitos, perdida, com vontade de jogar ainda mais tudo para o alto, lembrava de Thur, de como os seus olhos azuis conseguiam me acalmar, de como o calor do seu abraço me mantinha aquecida, de como o seu cheiro me levava às nuvens. Nunca vou conseguir esquecê-lo e odeio que tudo tenha acabado dessa forma. O gosto do seu beijo era como a luz no fim do túnel e eu não sei como me guiarei sem aqueles lábios que, com apenas um toque, faziam o meu ritmo cardíaco acelerar e desacelerar ao mesmo tempo, me fazendo sentir uma corrente elétrica e provocando todas as borboletas em meu estômago. Ele me fazia sentir como uma criança, coisa que eu nunca me senti, de fato. Da mesma forma que me fazia sentir viva a cada vez que me olhava fixamente; o jeito que me tocava, era como se tivesse medo de me quebrar, como se eu fosse feita de porcelana. Thur me fazia sentir especial para alguém e era estranho perceber isso, ainda mais depois que tive a certeza de que o perdi. As nossas risadas eram as mais gostosas, o som da sua gargalhada despertava toda e qualquer esperança que estivesse morta em meu peito. Seu simples meio-sorriso quase provocava um ataque cardíaco. Com ele, o errado parecia certo e, mesmo quando parecia errado, se transformava no erro mais doce e viciante. Arthur Aguiar havia se tornado o meu vício. Definitivamente essa não seria uma abstinência fácil. Mas não há mais o que ser dito, não há mais como voltar atrás. Nós nos magoamos, simplesmente pelo fato de não tornarmos as coisas claras, simplesmente porque fomos covardes demais, a ponto de não dizermos o que sentimos enquanto havia tempo, enquanto alguma coisa podia ser feita. Enquanto o destino podia não ser tão cruel. 

Aquela foi uma tarde incrivelmente chuvosa, parecia que o tempo se ajustara a como o meu coração se encontrava: nublado, pesado e frio. Ignorei qualquer coisa que não tivesse a ver com um cobertor e um travesseiro. Ah, e lenços, vários lenços de papel. Parecia que quanto mais chorava, mais lágrimas tinham para escorrer. Eu me sentia como naquela canção que diz
 “ontem o amor era um jogo fácil de se jogar, agora preciso de um lugar para me esconder.” 

Mel e Raquel chegaram juntas, mas, ao contrário dos outros dias, não vinham fazendo festa, rindo alto e fofocando. Com certeza Raquel já havia contado para
 Mel que Thur foi me ver e que a sua cara não era das melhores. Eu pedia internamente que elas não viessem me perguntar nada, pois não estava na condição de relembrar tudo o que houve naquela sala. Eu não conseguiria, me sentiria frustrada por não poder voltar no tempo e desfazer todos os erros, todos os mal entendidos e tudo o que conspirou para a situação em que nos encontrávamos. 

- Posso entrar? –
 Mel perguntou abrindo a porta do seu próprio quarto cautelosamente. 
- É o seu quarto, amiga. – respondi com o rosto escondido no travesseiro. Eu devia estar horrível.
 
- Nossa, quantas caixinhas de lenço você gastou? – ela tentou brincar, mas eu não conseguia rir. Senti-a se aproximar cada vez mais e um lado da cama ficar mais fundo. – A Raquel me disse que ele esteve aqui. – começou a alisar os meus cabelos e então decidi não me esconder mais. Deitei de barriga para cima e enxuguei as milhões de lágrimas teimosas que escorriam pelas minhas bochechas.
 
- Eu devo estar horrível. – falei sorrindo fraco e fungando, foram várias horas de choro.
 
- Você não é das mais bonitas hoje... – não tem como não rir com a
 Melanie por perto. Respirei fundo e fiquei brincando com um dos últimos lenços que restaram. – Você não deve querer falar nisso agora, né? – perguntou atenciosa e eu apenas assenti. O celular da Mel começou a tocar e Raquel veio entregar à dona. A última me jogou um olhar de compaixão, então sorri fraco para ela, que devolveu o mesmo sorriso, porém com um olhar preocupado. Pelo jeito quem estava ligando era Harry, e Mel ficou um pouco sem graça de falar sobre a festa ali, naquele momento. 
- Podem ir. Não quero que vocês deixem de se divertir por minha causa... – falei antes que
 Mel dissesse para Harry que não ia à festa. Ela fez careta para mim e foi conversar com ele na sala. Raquel continuou no quarto, me olhando, sem saber o que dizer. 
-
 Lu, quer alguma coisa? – ela perguntou com uma voz pastosa e eu neguei, a agradecendo pela atenção. 
- O que vocês decidiram? Vão ou não? – tentei mudar de assunto, não queria mesmo falar sobre a conversa com
 Thur. 
- Eu não sei, a
 Melanie disse que vai, mas não sei se quer ver Harry... Ops, se quero ver Harry... – como sempre, Raquel se embaralhou com as palavras e eu ri, a fazendo rir também. 
- Vou ficar chateada se vocês não forem. – falei sincera e ela arregalou os olhos.
 
- Mas nós não queremos te deixar sozinha!
 
- Quel, eu tô falando sério, não quero que vocês deixem de se divertir! Aproveitem! – tentei acrescentar um tom animado em minha voz, mas era um pouco difícil. Raquel ia falar alguma coisa, porémMel entrou bruscamente no quarto.
 
- Nós vamos ficar com você! Vamos ver um filme e comer muito chocolate! –
 Mel disse batendo palminhas e segurou os meus punhos, balançando-os, numa tentativa falha de me animar. 
- Cara, eu vou matar vocês duas! Não quero empatar a diversão de ninguém! Eu juro que vou ficar bem! Como eu disse pra Raquel: vou ficar chateada se vocês não forem para a casa do
 Mica. 
- Eu não quero ver Harry mesmo! – Raquel pestanejou e nós rimos.
 
- Eu também não quero ver o
 Mica bundão! – Mel falou em tom exagerado e nós rimos mais uma vez. 
- Vocês é que sabem, mas eu ainda acho que devem ir.
 
- Não, está decidido! A Quel vai comigo ali na locadora e nós vamos trazer comédias MA-RA-VI-LHO-SAS.
 
- Faz muito tempo que não vejo filme! – Raquel comemorou.
 
-
 Lu, a gente já volta! Vamos, Quel! – Mel a chamou animada e eu tentei sorrir abertamente. Não vou mentir, aprecio muito que elas se preocupem comigo, isso mostra que tenho amigas de verdade, mas eu precisava desse tempo sozinha. A minha energia devia estar tão carregada negativamente que eu tinha medo de passar o desânimo para elas. 

Raquel e
 Mel demoraram mais do que esperava que demorassem, mas isso aconteceu porque passaram primeiro no supermercado para comprar toneladas de chocolate. Elas trouxeram três filmes, que pareciam ser realmente muito engraçados, mas mais ainda quando quem os assistia estava no clima para achar algo cômico. Enquanto Mel ajeitava o DVD e Raquel fazia pipoca, tomei um banho rápido para ver se melhorava o mal estar que sentia. Coloquei um pijama que despertou risadas das meninas, porque eu parecia uma criança daqueles internatos. A blusa tinha mangas compridas e a calça também era comprida. Eu estava com frio e aquela era a roupa mais confortável e quentinha que encontrei. Sentamos uma ao lado da outra, fiquei entre Quel e Mel, a primeira segurando o balde de pipoca e a segunda, os chocolates. O refrigerante estava na mesinha de centro e então Mel deu início ao filme. O nome era “Todas Contra John” e eu não vou mentir, consegui até dar boas gargalhadas. Assistimos o segundo, já íamos para o terceiro filme e o sexto balde de pipoca quando ouvimos uns barulhos estranhos. Umas vozes gritando exageradamente, parecia que tentavam cantar, mas a algazarra era maior do que a arte. 

Corremos para a janela do quarto de
 Mel, que dava direto para a rua em que ficava a frente do prédio, pois o som parecia vir de lá. Abrimos a janela e foi aí a grande surpresa: Mica e Harry pareciam um pouco bêbados e gritavam como se as suas vozes nunca fossem ser ouvidas. Havia mais dois rapazes com eles, cada um com um violão, tocando “All My Loving”, dos Beatles. Os dois bem que tentavam entrar no ritmo, mas a tentativa era falha. Tive um ataque de riso, mas ao mesmo tempo achei a coisa mais linda do universo. Os olhos de Mel e Raquel só não brilhavam mais por falta de lágrimas. Eu me sentia incrivelmente feliz pelas duas. Foi então que eles foram até o carro estacionado do outro lado da rua e cada um pegou um cartaz. O de Mica tinha escrito: “SAM, VOCÊ É O SACO DE MERDA MAIS LINDO E PERFUMADO QUE EU JÁ VI. FICA COMIGO?”; e o de Harry: “MESMO NÃO ENTENDENDO O QUE VOCÊ FALA, EU ACHO QUE EU TE AMO. VOLTA PRA MIM, RAQUEL?”. E, depois de exibirem os cartazes, voltaram a cantar. As duas ficaram sem palavras e eu dava pulinhos e batia palmas, os deixando ainda mais histéricos. 

- Ah meu Deus. Essa foi a coisa mais brega e mais linda que já fizeram pra mim. –
 Mel disse com as mãos na boca. 
- Eu acho que amo Harry também! – Raquel exclamou e saiu correndo para descer as escadas.
 
- Você não vai? – perguntei para
 Mel e ela me olhou confusa, parecia não acreditar no que via. – Melanie, se você não for, pode esquecer que um dia eu fui sua amiga! – a pressionei e ela bateu o pé.
- Eu não sei o que fazer! – ela disse inconformada, mas inquieta.
 
- Vou te mostrar o que fazer! – a virei de costas para mim e coloquei as mãos em seus ombros. Empurrei-a até a porta e ameacei jogá-la da escada se não descesse por conta própria.
 
- Tá, tá, já tô indo, sua amaldiçoada! – gritou me dando um tapa no braço e desceu. Por um momento, até esqueci os trajes em que eu me encontrava e a segui, não podia perder aquela cena por nada!
 

Chegamos à rua e Raquel já estava agarrada em Harry.
 Mica ainda cantava, sozinho, acompanhado pelos dois amigos no violão e com o cartaz na mão. Quando viu Mel, se calou e correu em sua direção. 

- Desculpa por aquela... – começou a falar, mas
 Mel colocou a mão em sua boca para que se calasse. 
- Você é mais bonito e eu gosto mais de você calado,
 Mica! – brincou e os dois riram, em seguida ele jogou o cartaz na rua e abraçou Mel. Parecia que tudo acontecia em câmera lenta, eu nunca achei que fosse ver os dois se beijando tão calmamente. E não foi um simples beijo, foi daqueles de tirar o ar. Peguei o cartaz jogado e o limpei, acho que ele não ficaria tão perfeito, porque o asfalto estava molhado. 

Enquanto os dois casais faziam as pazes e eu lia novamente os dizeres dos cartazes de
 Mica e Harry, que achei atirado mais longe – sim, sou uma amiga coruja –, percebi que os dois garotos que os acompanhavam riam de mim, não de mim, mas da roupa que eu vestia. Foi então que fui lembrar que não tinha sido muito feliz em descer as escadas de pijama, ainda mais aquele pijama. Os olhei envergonhada e subi as escadas correndo, querendo enfiar o rosto em um buraco ou sumir de vez. 

Troquei de roupa e desci novamente, ficamos conversando na calçada por bastante tempo. Conhecemos os dois garotos, eram Dave e Steve, integrantes da banda que tocaria na festa na casa deMica.
 Mica nos disse que suspendeu a festa enquanto iam fazer a serenata e que tudo isso foi ideia de Chay, o que nos deixou surpresas. Logo eles se despediram, mas os meninos insistiram para que fôssemos até a festa com eles. Neguei, mas exigi que Mel e Raquel fossem curtir os seus romances e se divertirem, sem se preocupar comigo, pois eu ficaria bem. Depois de muita lenga-lenga, elas acabaram topando e foram para o carro com eles. Tive uma surpresa quando ia dando as costas para subir as escadas... Dave me puxou e pediu o meu telefone. Sorri fraco e fiquei bastante envergonhada, mas acabei cedendo. Nunca é tarde demais para novos amigos. 
Os observei sumir de vista e senti o vento gelado bater em meu rosto e despentear os meus cabelos – que não estavam tão penteados assim –, tendo a impressão estranha de dever cumprido, apesar da tarde desastrosa. Com
 Mel, eu havia aprendido que nem sempre o que mais importa é a própria felicidade. Não tem recompensa maior do que ver alguém que você se importa sendo feliz. Ainda mais quando você sabe que contribuiu para aquilo. A minha amiga merece alguém que cuide dela, que goste dela por quem é, e isso eu sei que Mica será capaz, porque Mel mostrou todas as suas faces a ele. O mesmo acontece no sentido contrário. Se ela se apaixonou por Mica, foi por seu caráter convencido, prepotente e extremamente autoconfiante. Raquel e Harry parecem ter sido feitos sob medida. No dia em que cheguei em Londres, os vi juntos e ali pude perceber a sintonia que existia, mesmo às vezes sendo impossível entender o sentido das frases dela. Eu seria hipócrita em dizer que não desejaria que Thur aparecesse naquele momento e me pedisse desculpas, ou que estivesse disposto a entender as minhas razões e recuperar o que nós deixamos jogado em algum lugar no tempo.

E assim acabou aquela noite: uma rua vazia, um vento gelado e um coração partido, porém recompensado pela felicidade alheia


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