1 de abr. de 2013

June 15

Capítulo 24.


Abri os olhos com dificuldade, tudo parecia rodar, era como se eu tivesse dormido uma semana inteira. Olhei para a porta e vi
 Mel escorada, me olhando de braços cruzados. Devia ser a manhã do dia seguinte ao que tinha dormido. Espreguicei-me e a encarei. 

- Bom dia. – disse com um meio sorriso.
 
- Bom dia. Dormi quanto tempo? – perguntei em meio a bocejos.
 
- Fim de tarde de um dia até a manhã de outro. – soltou uma risada abafada e eu sentei. – Tem alguém querendo falar com você.
 
- Quem? – perguntei subitamente. – Se for o
 Thur, eu morri. 
- Não! – riu. – Não é ele.
 
- Quem é? – perguntei procurando com o olhar e
 Chay apareceu no quarto. Escondi o rosto com as mãos. – Vai lá pra fora, vou lavar o rosto e depois te chamo. – gritei levantando e correndo para o banheiro. Lavei o rosto, escovei os dentes e voltei para o quarto. Gritei por seu nome e ele apareceu novamente, sorrindo. 
- Posso entrar? – perguntou com um sorriso maroto no rosto e eu assenti.
 
- Senta aqui. – dei dois tapinhas na cama e
 Chay sentou ao meu lado. 
- Como você tá? – alisou meu ombro e semicerrou os olhos preocupado.
 
- Ruim, né? – respondi dando de ombros e em tom desanimado. Ele passou um dos braços ao redor do meu pescoço. – E envergonhada. – abaixei a cabeça.
 
- Não fica se cobrando tanto! Assim é pior ainda. – aconselhou e eu levantei a cabeça, olhando-o e vendo um olhar misericordioso.
 
- Dói tanto. – mal falei e
 Chay me abraçou apertado, dando um beijo no topo da minha cabeça. 
- Eu só quero te dizer que nada mudou. A não ser o fato de você ser
 Lua e eu ter absolutamente amado o seu nome. – brincou e eu ri, enxugando algumas lágrimas teimosas que insistiam em cair. 
- Sério? – perguntei e ele assentiu, sorrindo.
 
- Foi legal isso de você ter um personagem. – me deu uma cotovelada leve, se divertindo e eu dei um tapa em seu ombro.
 
- Bobo. Igualzinho à retardada da
 Melanie. 
- Ih, ela nem quer mais nada comigo. – pareceu lembrar, desanimado.
 
- Como assim?
 
- Disse que só me deixava ficar aqui agora pra falar com você, mas que não quer me ver nem pintado de ouro, porque ALGUÉM contou pra ela que me viu com uma “safada” no corredor do hotel, no Rio. – contou e eu prendi a respiração, morrendo de rir.
 
- Desculpa, mas ela é minha amiga, você sabe. – falei dando tapinhas em suas costas e ele fez careta, prendendo a risada. –
 Chay... – o chamei e ele voltou a ficar sério. – Como o Harry e o Mica estão em relação a mim? 
- Pode ficar tranquila, como já te disse, não mudou nada. Nós te amamos do mesmo jeito ou até mais. – me reconfortou e deu um beijo estalado na minha bochecha. Abraçou-me novamente.
 
- Eu também amo muito vocês e me sinto muito mal por não ter contado a verdade desde o começo. – me desvencilhei e segurei sua mão.
 
- Nááá, nós entendemos muito bem,
 Lu. É assim seu apelido, né? – perguntou confuso. 
- É sim, como você sabe? – o cutuquei rindo.
 
- O
 Thu... – pareceu querer engolir o resto do nome e da frase e me olhou com um olhar engraçado. Senti o estômago revirar. – A Melanie. – completou, mal sabendo que fez isso pessimamente. 
- Sei, a
 Melanie, né? – instiguei e ele balançou a cabeça, tímido. 

Conversamos mais um pouco e evitei falar sobre
 Thur. Mel entrou no quarto e perguntou o que queríamos almoçar, pois começaria a preparar o almoço. Ela estava realmente chateada com Chay, mal dirigia a palavra a ele. Mas era de uma forma engraçada, me fazendo até esquecer o que estava acontecendo comigo. Almoçamos os três juntos e Chay lembrou o dia em que voltamos da festa a pé. Eles me distraíram muito bem. Quando ele foi embora, Mel se aprontou correndo para ir ao trabalho. Ela tinha falado em faltar novamente para me fazer companhia, mas eu neguei e a mandei trabalhar. Eu estava realmente desanimada com o fato de ficar sozinha em casa, mas isso não era motivo para estragar a vida de Mel também. Antes de sair, a ouvi fazer telefonemas. Depois avisou que deixara o notebook em seu guarda-roupa, ele já estava com internet. Deu-me a senha e eu disse que se o tédio estivesse horrível, realmente usaria. Despedimo-nos e desejei uma boa tarde de trabalho a ela, que fez careta. Tomei banho e vesti outro blusão, não era dos dias mais quentes. Fui até a sala e liguei a televisão. Passeei por vários canais, mas nenhum me agradava. Comecei a lembrar da programação da televisão brasileira, lembrei das risadas que dava por não entender nada do que falavam. Fui para a cozinha procurar algo realmente doce para curar a minha tristeza e ouvi baterem na porta. Respirei fundo e fui até o meu quarto colocar algum short, pois estava com as pernas de fora. Quando abri a porta, fiquei completamente abobalhada com o que vi: Harry e Mica estavam parados na minha frente. Ambos com narizes de palhaço; um segurando uma caixa de bombons e outro segurando um pote de sorvete. 

- É aqui que tem uma dama solitária e entediada precisando de uma pitada de diversão no seu dia? – Harry perguntou forçando um sotaque francês e eu nem consegui responder, rindo.
 
- Seus problemas acabaram, minha cara. Harry e
 Mica, diretamente do circo de... de... Sei lá de onde vieram trazer felicidade para as suas horas passarem mais rápido. – Mica disse com uma voz irritante. – E tem mais: com direito a sessão de filmes e pipoca de microondas! – após dizer isso, me entregou o pote de sorvete e apanhou uma sacola que estava no chão, atrás dele. 
- Seus bobos! – os abracei. – Entrem, entrem! – eles obedeceram e fui colocar o sorvete no congelador.
 Mica veio atrás, já mexendo no microondas e preparando a pipoca. Harry disse que escolheria o melhor filme de comédia que nossos olhos já tivessem visto. Voltamos para a sala e o filme já começava. Era “O Dono da Festa”. Eu nunca tinha visto, mas os meninos diziam que morreria de tanto rir. Fiquei entre os dois no sofá com a pipoca em um vidro em meu colo e nossos copos com refrigerantes estavam na mesinha de centro. 

Harry estava certo, aquele foi um dos filmes em que mais ri na vida, tirando umas partes realmente nojentas. Empanturramo-nos de pipoca, bombom, refrigerante e sorvete. A sala ficou uma verdadeira zona. Os dois se ofereceram para me ajudar a arrumar tudo e eu aceitei. Conversamos muitas besteiras, eu os agradeci mentalmente por não tocarem naquele assunto, mas sabia que devia desculpas. Então, quando fui levá-los à porta, senti que era o momento certo.
 

- Meninos, muito obrigada por esse dia, mas eu sinto que realmente devo desculpas a vocês. – falei cabisbaixa.
 
- Você não deve desculpas a ninguém, teve os seus motivos e nós não somos ninguém pra dizer o que é certo e o que é errado. – Harry foi cordial e me abraçou.
 Mica concordou e me abraçou também. Agradeci mais uma vez o dia maravilhoso e eles se foram. É, talvez as coisas nem estivessem tão ruins quanto eu achava que estavam. Mel logo chegou e perguntou como foi o meu dia. 
- Você não vai acreditar! Harry e
 Mica passaram o dia aqui! – contei dando pulinhos e batendo palminhas. 
- Eu sei. – ela disse com um sorriso convencido e eu levei uma das mãos à boca.
 
-
 , VOCÊ? AH MEU DEUS! – gritei e ela apenas assentiu. Eu tenho realmente a melhor amiga do mundo. Não é possível alguém ter uma amiga melhor do que ela. Abracei-a apertado e agradeci mil vezes. Quem pode ter um problema insuportável com amigos como os meus? 

As últimas duas semanas passaram se arrastando. O McFly havia viajado para a Espanha um dia depois que os garotos foram em nosso apartamento, em seguida para Portugal. Meu estado emocional não estava muito diferente, claro que eu havia melhorado bastante, mas às vezes ainda me pegava chorando. Um dia desses, mexendo no notebook, entrei em um site de vídeos e vi um em que uma garota – aparentemente fanática por
 Thur – colocou as nossas fotos na praia e tampava o meu rosto, me chamando de coisas horríveis e dizendo que ele era bom demais para se envolver com uma prostituta qualquer. Também assisti a um programa de fofocas em que eles insistiam para que se eu estivesse assistindo, ligasse para lá. Meus celulares estavam desligados, justamente para ninguém conseguir me encontrar, caso dessem algum dos meus números para eles. 

A minha saúde também não estava das melhores, comecei a sentir muito mal-estar, praticamente todos os dias. Nem conseguia voltar para as calçadas, de tanto que me sentia ruim.
 Mel já tinha me dado todos os remédios possíveis e parecia que eu só piorava. Tinha dias em que apenas vomitava e tudo passava. Mas havia outros em que nada resolvia. Acabei de voltar de um laboratório, fiz exame de sangue, devo estar com as defesas baixas, não estava me alimentando muito bem depois dos últimos acontecimentos. E na pior das hipóteses, estava morrendo de medo de ter alguma DST.Mel me estapeava toda vez que eu falava nisso, porque dizia que se eu estivesse usando camisinha, não teria risco nenhum. Eu tenho plena consciência em meus programas, sempre lembro do preservativo. Mas sabe lá. A moça do laboratório disse que eu teria o resultado no outro dia pela manhã e que se houvesse algum agravante, seria chamada para conversar com um médico. Rezei para que não ligassem para o celular de Mel, que foi o número que passei. 

Eu não tinha tido mais notícia nenhuma de
 Thur. A não ser que o fim do namoro com Sophie, de fato, aconteceu e que não tinha mais volta. Soube isso por intermédio de John, que infelizmente foi à casa dos pais de Mel quando eu estava passando o fim de semana lá. Ele estava completamente aborrecido comigo, dizendo que nunca imaginou que Thur e eu tínhamos um caso e que destruí o sonho de sua sobrinha. Aquilo me deixou muito irritada, o mandei cuidar da própria vida e o deixei falando sozinho. Outra coisa que me perturbou muito nesses últimos dias foi saber – através de um desses programas de fofoca – que o McFly perdeu alguns contratos publicitários, devido ao escândalo e mau exemplo de Thur ao sair com uma garota de programa. O que eles têm a ver com isso? É tão patético e hipócrita! Mas querendo ou não, me sentia infinitamente culpada por tudo isso. Decidi ligar o meu celular pessoal e vi algumas centenas de chamadas perdidas. Enquanto esperava Mel terminar de tomar banho para almoçarmos, o ouvi tocar e corri para o quarto. Não conhecia aquele número, mas resolvi atender. Caso fosse um canal de TV, era só desligar a ligação e o aparelho novamente. 

- Alô? – atendi nervosa.
 
-
 Hum, ahn... Lua? – a pessoa parecia mais nervosa do que eu. 
- Sim, quem é? – perguntei apreensiva e já pronta para desligar.
 
-
 É... Aqui é o... Leopold. – gaguejou um pouco e eu quase gritei de felicidade. 
- Mentira? – fiquei tão espantada que foi só o que consegui dizer.
 
-
 Não, você lembra de mim, não é? 
- Claro que lembro, mas MEU DEUS, o senhor demorou tanto pra ligar! – falei animada e ele riu.
 
-
 Eu sei. Desculpe, mas é que mal parei em Londres nesses últimos tempos. 
- Tudo bem, Leopold. Sem problemas. Você vai ficar aqui até quando?
 
-
 Até depois de amanhã à tarde, quando vou para Bolton. – respondeu e eu engoli seco. – Você não quer ir? Ou mandar alguma coisa? 
- Eu não acho que posso aparecer lá assim. – comentei desanimada. – Mas eu gostaria muito de vê-lo! Onde o senhor está?
 
-
 Naquele mesmo restaurante. Vou te passar o número do celular que estou usando. – falou e eu corri para pegar um papel e uma caneta. Anotei. 
- Acho que vou aí hoje. Às três da tarde, está bem?
 
-
 Tudo bem, estarei na pousada ao lado do restaurante. Ligue no meu celular antes de vir, sim? 
- Ok, pode deixar. Muito bom falar com o senhor, nossa!
 
-
 Digo o mesmo, minha filha. Fique com Deus. Até logo. – nos despedimos e eu desliguei o telefone, ainda processando a idéia de ter falado com Leopold depois de tanto tempo. Foi como se a sua voz me desse forças para continuar. Por alguns minutos, parecia que tudo tinha desaparecido. Todos os problemas e toda aquela sensação ruim no estômago. Mel chamou para almoçar e contei que havia falado com Leopold, ela ficou feliz por mim e disse que me emprestava o carro para que eu fosse vê-lo. Agradeci e depois do almoço a deixei no trabalho. Fui direto para onde ele estava. Liguei para o seu celular quando parei em um sinaleiro e ele disse que estaria me esperando na frente do restaurante. Fiquei extremamente nervosa, pensando em como seria esse reencontro. Por tantos anos fiquei pensando exatamente no que diria a ele quando nos encontrássemos, nas desculpas infinitas que pediria por ter fugido e ainda no medo que senti de nunca mais ter notícias suas. Agora tudo estava bem e essa idéia me animava profundamente. 

Estacionei no vasto estacionamento entre a pousada e o restaurante e senti as mãos gelarem ao descer do carro. Olhei para a frente do restaurante, procurando Leopold com o olhar. Vi um senhor de costas e pensei que devia ser ele. Caminhei lentamente, ouvindo meu coração bater e toquei em seu ombro. Ele se virou subitamente e abriu um sincero sorriso ao me ver. Confesso que entrei em transe ao vê-lo. Parecia que os anos tinham passado longe, era como se o tivessem congelado da última vez que o vi e tivessem descongelado recentemente. Com exceção da barba um pouco maior e de algumas bolsas embaixo dos olhos, Leopold estava igual. O abracei apertado e senti um profundo nó na garganta se instalar.
 

- Veja só! Você se transformou em uma bela mulher! – Leopold elogiou quando nos desvencilhamos e eu sorri, corada.
 
- Obrigada. O senhor não mudou nada. – falei sincera e ele sorriu.
 
- Como você está? – perguntou com um olhar apreensivo.
 
- Levando algumas porradas da vida, mas estou bem. E o senhor? – respondi em um tom calmo, para não assustá-lo.
 
- Estou bem, na medida do possível. Venha, vamos conversar lá dentro. – apontou para o restaurante e entramos. Fui recebida com entusiasmo pela dona do recinto, que perguntou onde estava aquele belo rapaz com quem fui lá da última vez, me fazendo lembrar aquele dia como se fosse ontem.
 

Leopold e eu conversamos muito, pedi incessantes desculpas pelo que fiz e contei o porquê de tudo. Contei da minha gravidez e que havia virado prostituta. Seus olhos se encheram de lágrimas, disse que se sentia culpado por não ter me visto sair do caminhão, que não conseguia me imaginar tão criança em uma calçada. Perguntei de sua vida e o homem disse que tinha feito as pazes com sua ex-mulher, que agora se encontrava com os filhos constantemente. Fiquei incrivelmente feliz por ele e o deixei da mesma forma quando contei que havia concluído o colégio, coisa que havia deixado para trás ao fugir de Bolton. Deixei o local por volta das seis da tarde, fui praticamente forçada a lanchar e saí de lá empanturrada, porém sorridente. Mal acreditava que tinha reencontrado Leopold e tido uma tarde tão agradável depois das turbulências que vinham aparecendo em meu caminho. Busquei
 Mel no trabalho e contei tudo para ela durante o percurso. Jantamos em algum fast food e ficamos vendo filme até tarde. Na verdade, usei isso como desculpa por não conseguir dormir. Eu estava apreensiva para o resultado do exame, tinha muito medo de estar com alguma doença grave, já que ao chegar em casa tinha vomitado muito. Obriguei-me a pregar os olhos e só tive sucesso por volta das quatro da manhã. 

Acordei com batidas insistentes na porta da frente. Levantei atordoada e lavei o rosto. Passei pelo quarto de
 Mel e ela estava resmungando, com o travesseiro sobre a cabeça. Abri a porta e quase caí ao ver quem era. Thur segurava um envelope e tinha uma expressão vazia no rosto. 

-
 Thur? O que você quer a essa hora? – perguntei tentando melhorar o aspecto de meus cabelos. 
- Vim te entregar isso. – estendeu a mão com o envelope e eu o peguei, sem entender. Abri e vi um cheque com um valor incrivelmente alto. – Assim como ficou combinado antes de viajarmos. – lembrou secamente e eu não podia acreditar no que os meus olhos viam e as minhas mãos seguravam.
 
- Hã? Não, isso é seu, pode ficar, não quero. – guardei o cheque novamente no envelope e o estendi. Ele apenas balançou a cabeça, negando. O olhei nos olhos, como achei que não teria coragem de fazer nunca mais. – Eu não posso acreditar nisso que você tá fazendo. – disse incrédula.
 
- Tenho palavra, falei que ia te pagar por cada dia no Brasil e aí está: tudo somadinho e acertado. Assim ficamos quites e você não tem por que me odiar. – praticamente me deu um soco no meio do nariz com cada palavra daquela. Acho que consegui ouvir o meu coração quebrando em vários pedaços minúsculos.
 
- Ah, então você acha que me dando dinheiro vai mudar alguma coisa? – ele assentiu, me magoando terrivelmente. – Francamente,
 Thur, eu achei que te conhecia. – falei indignada, rasgando o envelope e jogando as sobras em seu rosto. – Não quero te ver NUNCA mais. – bati a porta e corri para o meu quarto, a vontade de chorar se misturava com o enjoo em meu estômago. Mel levantou e apareceu na porta. 
- O que foi? – perguntou esfregando os olhos.
 
- Eu odeio o
 Thur, odeio! Quero que ele se dane! – explodi e comecei a chorar. Parece que aquela ação dele tinha me feito mais mal do que ser “a prostituta” em todos os veículos de imprensa possíveis na Inglaterra. Aquele foi o dinheiro mais sujo que já recebi na vida. Foi como se ele dissesse com todas as letras que os beijos que demos e tudo o que fizemos durante a viagem estivesse em um contrato. Como se nada daquilo tivesse sido espontâneo. Nunca me senti tão imunda, tão usada. Mel me abraçou e eu contei a ela o que tinha acontecido, em meio a soluços e rios de lágrimas. Ela xingou Thur de tudo o que não presta e disse que toda essa maré ruim passaria, quando eu visse já estaria simplesmente bem. 

Aquele dia, definitivamente, não seria um dia qualquer. O celular de
 Mel tocou um pouco depois de eu terminar de tomar banho e ela se arrumou para irmos ao laboratório apanhar o resultado do exame. A ligação era de lá mesmo. A moça disse que uma doutora queria ter uma conversa comigo quando fosse até lá. Fiquei sem chão e Mel me olhava apavorada. Perguntei o que tinha, mas ela disse que só saberia pessoalmente. Quis me jogar da janela do quarto. Ao desligar, Mel me abraçou apertado e disse que não devia ser nada de mais, que uma vez já tinha ficado para conversar com uma doutora e era apenas uma infecção boba. Tentei me consolar com suas palavras, mas parecia cada vez mais difícil. As possibilidades que passeavam em minha mente eram as piores e eu duvidava muito que estivessem erradas. Era como se tudo estivesse escuro e estranho, comecei o dia com o pé esquerdo e acho que seria assim dali para frente, com o que eu estaria prestes a descobrir. Pedi para Mel parar o carro em uma das ruas que entramos e vomitei tudo o que tinha comido no café da manhã e havia comido realmente pouco. Quando consegui me recompor, voltei para o carro e fechei os olhos, respirando fundo e tentando manter a calma. Mas cada vez me sentia mais nervosa, sentia medo de tudo. Tentei imaginar quando tudo começou a dar errado. 

Chegamos ao laboratório e, se não fosse
 Mel segurando a minha mão, tinha caído ali mesmo e pedido para algum carro passar por cima de mim. Ficamos na sala de espera até uma das recepcionistas autorizar a minha entrada na sala da médica que conversaria comigo sobre o que apontava em meu exame. Olhei para Mel apavorada após levantar e ela me abraçou apertado, dizendo que eu tinha que ser corajosa e que estaria comigo no que precisasse. Tentei me acalmar quase arrancando as minhas unhas de tanto roer e segui a moça até uma porta branca, com uma placa em que vi escrito “ginecologia”. A minha mão tremia e suava frio, praticamente escorregando ao abrir a maçaneta. 

- Bom dia,
 Lua. – a doutora me recebeu com um sorriso cordial e eu tentei entender o que ela via de bom para estar sorrindo. 
- Bom dia. – tentei parecer calma, mas não consegui.
 
- Sou a drª July, muito prazer. – estendeu a mão e a apertei, cumprimentando-a.
 
- Prazer. – sorri fraco e ela apontou a cadeira para que sentasse. Sentei e a puxei para mais perto de sua mesa. Olhei em volta e vi o quão arrepiante podia ser estar em um consultório médico.
 
- Como você se sente? – perguntou sentando de frente para mim e pegando um papel, analisando-o.
 
- Péssima. – fui sincera e ela sorriu baixo, me deixando completamente confusa.
 
- Enjoo? – adivinha? Não, com certeza ela quer saber se estou com os sintomas da doença que o meu exame acusa.
 
- Praticamente o tempo inteiro. Meu estômago nunca está bem. – descrevi e ela assentiu, com uma expressão séria. Acho que agora ela realmente me falaria tudo e eu abriria um berreiro.
 
- É assim mesmo. Venha, sente-se aqui. – pediu, levantando e indo em direção a uma maca. Ótimo, eu seria internada. Não sei de onde tirei forças para levantar, mas obedeci e sentei onde ela mandou. – Levante um pouco a sua blusa, por favor. – ordenou e eu obedeci, querendo acabar com aquela agonia. Passou a mão pela minha barriga e depois baixou a minha blusa, observando meus olhos e minha garganta com uma lanterna. – Hum, vamos ver o que posso fazer por você. – falou dando as costas e voltando para sua mesa.
 
- Doutora, pelo amor de Deus, me diz logo o que eu tenho, porque eu não aguento mais me sentir como estou me sentindo, esse mal estar está insuportável. Eu sei que tenho uma coisa péssima e é por isso que a senhora me chamou. Então, por favor, acaba logo com essa agonia. – soltei involuntariamente, quando ia da maca até a cadeira onde sentaria. Ela riu alto, quase gargalhando e eu me senti realmente ofendida. Nem mesmo sentei. Quer dizer que agora os médicos podem rir do estado terminal de seus pacientes?
 
- Não se preocupe, tudo isso que você sente vai passar dentro de um mês e meio. – falou em um tom conformado, ainda com um sorriso estampado no rosto e eu quis socá-la.
 
- Então tem cura? – perguntei quase arrancando os meus cabelos.
 
- Não que seja uma doença, mas você vai ter seu organismo de volta como ele costumava ser depois de nove meses. – fez algumas anotações e eu acho que nem pisquei. Como assim?
 
- Eu tenho que fazer algum tipo de tratamento? – ainda estava em pé, olhando-a. Ela olhou para mim.
 
- Sua saúde está em estado perfeito, tirando uma pequena anemia que logo, logo resolveremos. – ao ouvi-la dizer isso, respirei aliviada. – E antes que você pergunte mais coisas, você se sente tão mal assim porque seu organismo ainda não se adaptou ao fato de estar gerando um novo ser. – revelou naturalmente e eu quase desmaiei.
 
- EU ESTOU GRÁVIDA? – praticamente berrei e ela assentiu, com um sorriso de orelha a orelha.
 
- Parabéns. – levantou e me estendeu um papel cheio de anotações e um envelope. Mas eu não conseguia raciocinar.
 
- Espera, como assim? Não, não é possível. – balancei a cabeça inconformada. – Eu sempre me previno.
 
- Então aconteceu algum deslize, tente pensar nisso.
 
- Estou grávida há quanto tempo? – perguntei ainda tentando calcular.
 
- Aproximadamente oito semanas. – respondeu ainda estendendo o envelope e o papel. – Aqui estão alguns remédios para controlar o enjoo e para a anemia. Meu telefone está aqui e no que você precisar, pode contar comigo. Me ligue em breve para marcarmos a sua primeira ultrassom. Nesse envelope está seu exame, tudo está bem, não se preocupe. – ela deve ter agradecido aos céus quando voltei para o mundo real e segurei os papéis. Não conseguia pensar em como aquilo era possível. A drª July me levou até a porta toda sorridente e eu ainda não conseguia associar os fatos. Ela me disse que era assim mesmo, mas que logo eu começaria a me sentir mãe. Fiquei com vergonha de dizer que já engravidei uma vez e nem tinha forças para isso.
 

Deixei o consultório e
 Mel me esperava sentada, de braços cruzados, com o mesmo tique que tenho nas pernas e vez ou outra olhava o relógio. Quando me viu, correu e me abraçou. 

- Diz de uma vez por todas antes que eu morra! –
 Mel pediu, me sacudindo, e eu ainda estava em estado de choque. 
- Eu... Eu... – tentei contar, mas era como se a minha voz não quisesse mais sair.
 
- Você o que?
 Lua, pelo amor de Deus. – disse levando uma das mãos à boca. – Ah meu Deus, amiga. Você está mesmo muito doente? – seus olhos já estavam cheios de lágrimas e a sua expressão era de pavor. Senti-me culpada por estar causando aquilo nela. 
- Não,
 Melanie. Eu estou grávida. – falei de uma vez e ela ficou como eu acho que fiquei quando a doutora me confirmou isso. 
- GRÁVIDA? – gritou e depois tampou a boca quando percebeu que todos que estavam próximos a olhavam. – Ops. – deu um tapa na própria testa.
 
- É, grávida. Agora vamos sair daqui, por favor. – quase implorei, indo na frente e ela me seguiu, acho que ainda tentava entender como seria possível. E eu estava da mesma forma que
 Mel. Entramos no carro e eu abri o envelope em que havia o resultado do exame. Não que eu entendesse muito bem o que havia escrito ali, mas tinha que ver com os próprios olhos se aquilo era verdade. Mel olhava de relance e dirigia ao mesmo tempo. Sabia que ela não aguentaria calada por muito tempo. 
-
 Lu, você andou transando com o John sem camisinha? Porque eu sei que você confia nele. – perguntou rapidamente, assim que parou no primeiro sinaleiro. 
- John? Claro que não,
 Mel. Tá louca? – respondi incrédula e ela arqueou as sobrancelhas, franzindo a testa e esperando uma resposta. 
- De quem é essa criança, então? Eu sei que você se previne em todos os...
 
- Do
 Thur. – a interrompi e ela prendeu a respiração. O sinal ficou verde e Mel não conseguiu dizer mais nada. Eu sabia que só podia ser dele. Em uma das vezes que transamos, não consegui lembrar se tínhamos nos prevenido. E foi aquela vez na casa de Mica. Contando as semanas, dava quase oito. Meu Deus, agora eu tinha ido realmente longe demais. Até me envolver com Thur, integrante de uma banda famosa, tudo bem, mas engravidar dele estava sendo exagero. Como eu cheguei a esse ponto? Pedi a ela que parássemos em uma farmácia para comprar os remédios que a doutora havia passado. Eu precisava controlar aqueles enjoos, estava sendo insuportável. Comprei e voltei para o carro, Mel ainda tinha a mesma expressão pálida e incrédula. 

Entramos em casa e logo corri para a cozinha, para tomar o comprimido. Apesar do choque, ainda não tinha digerido muito bem a idéia do que estava acontecendo comigo e com o meu organismo. Voltei para a sala e
 Mel estava sentada na poltrona, vendo TV. Tenho quase certeza de que seus pensamentos estavam muito longe dali. Sentei no sofá ao seu lado, ainda segurando um copo com água, e ela me olhou com um olhar de dúvida. 

- Você tem certeza absoluta de que é dele? – perguntou e eu assenti.
 
- Eu não sei o que fazer. – confessei após tomar um pouco de água.
 
- É simples, procure-o e conte. Ele vai ter que ser homem e assumir,
 Lua. – sugeriu, segura, e eu soltei uma risada abafada. 
- Depois do que aconteceu hoje de manhã? Nunca. – balancei a cabeça negativamente.
 
- Larga esse orgulho. Não estamos falando de vocês dois, do que aconteceu no Brasil e etc, estamos falando de uma terceira pessoa que não pediu para vir ao mundo. – continuou em um tom de reprovação e eu abaixei a cabeça, encarando o copo.
 
- Eu sei,
 Mel. Mas eu não quero que ele saiba. Não agora. Por favor, não diz nada a ele. – a olhei e quase supliquei. 
- Não sei,
 Lu. Realmente não sei se vou conseguir fazer isso. Caramba, será que ele vai dar uma de que não participou da elaboração desse filho? – perguntou indignada e eu levantei, deixei o copo na cozinha e fui para o meu quarto. 

Deitei com a barriga para o colchão e abracei o travesseiro, apoiando o queixo. Eu realmente não sabia o que fazer. Estava completamente perdida. Nem conseguia pensar em nada. Ou melhor, não por algum tempo. Ainda não tinha ligado os pontos direito, não conseguia acreditar em tudo o que tinha acontecido, no que era para ser uma simples manhã. Não conseguia entender por que tudo estava acontecendo tão rápido. Por que
 Thur tinha que me procurar cedo e me fazer uma das maiores raivas da minha vida e depois eu tive que descobrir que espero um filho dele? Senti uma dor no peito e fiz o que mais fazia nesses últimos dias: chorei. Não sabia como tudo seria, não sabia como ia cuidar de uma criança, não sabia como contaria para Thur. 

 Meus pais gostam muito do Daniel e os dele de mim. Sua mãe até me disse uma vez que se ela pudesse escolher a mãe de seus netos, me escolheria. – sorriu vitoriosa e eu senti vontade de puxar os seus cabelos e dizer que havia dormido de “conchinha” com o seu namoradinho na noite passada. 

(...)

- Eu imagino o que você passou. E você é mulher, é pior ainda.
 Não me vejo sendo pai de uma criança, digo, eu sou muito novo pra isso. – disse sinceramente e eu me virei para ele.
 

Essas lembranças começaram a não me deixar em paz. Cada vez chorava com mais intensidade.
 Mel apareceu no quarto e sentou ao meu lado, me abraçando. 
- Eu não sei o que fazer... Eu... Não sei. – falei inconformada, em meio a soluços altos.
 
- Não vou contar pra ele,
 Lu. Isso só te interessa, não devo me meter. É uma decisão sua. – Mel tentou me consolar e eu a abracei mais apertado. 


8 comentários: